Capítulo 13, Marcas.

13
Ele estava sem a moto, segurando uma cesta em uma das mãos. Ele usava uma camiseta preta gola vê, calça justa e o all star branco. Lembrei da primeira vez que nos vimos, no setor de pagamentos. Olhei com curiosidade, erguendo uma das sobrancelhas.
   -Preparada?
   -Sim, mas pra que essa cesta?
   -Ah, você vai descobrir.
   -A onde vamos afinal?
   -Em um lugar.
   -Isso eu sabia.
   -Então por que a pergunta?
   -Idiota.
   -Seu idiota.
   -Exatamente. Só meu.
   Ele me beijou sorrindo, entrelaçou seus dedos nos meus e seguimos caminhando.
   -Você está linda como sempre com a roupa que foi em nosso primeiro encontro de verdade.
   -Ah você lembrou.
   -Não tinha como esquecer da blusinha da Inglaterra e do batom vermelho.
   -Sim e você está lindo usando a roupa que usava quando nos vimos pela primeira vez.
   -Sério que eu estava usando essa roupa? Nem me lembrava, pus ela porque eu gosto, mas agora eu entendi porque eu gosto.
   -Bobo. Pra onde você está me levando? – Minha curiosidade estava me consumindo.
   -Fica tranquila.
   -Como eu vou saber que você não está me sequestrando ou algo assim?
   -Se eu fosse você eu saía correndo, sou um sujeito perigoso.
   -Ah que bom que você me avisou.
   -Não vai sair correndo?
   -Não.
   -Não tem medo de mim?
   -Não.
   -E por que? Eu posso estar querendo te fazer mal.
   -Não está.
   -E como você sabe?
   -Já não te disse que sou uma feiticeira?
   -Ah é? E qual foi a poção que você usou?
   -Pra que?
   -Pra roubar o meu coração?
   -Ah, é segredo, se eu contar vou ter que te matar. – Apertei os olhos em gesto de maldade.
   -Se você me matar eu morro feliz por estar do seu lado.
   -Ah sim, e eu posso ficar viúva sofrendo?
   -Não, você vai dar uma festa no meu velório, e vai ser feliz, sabendo que era o que eu mais queria. Te ver feliz.
   -Não posso ser feliz sem você.
   -Pode, é só você se lembrar o quanto eu sempre vou te amar e o quanto eu sempre quis o seu bem e você vai se obrigar a ser feliz.
   -Não é tão simples assim.
   -Sei que não, mas não importa.
   -Por que estamos falando disso mesmo? Vamos mudar de assunto por favor.
   -Tudo bem.
   -Onde estamos indo Victor?
   -Já estamos chegando.
   O sol fazia sua metamorfose, colorindo o céu com seus tons alaranjados e as nuvens pareciam rastros. Aquela era a minha hora favorita do dia, o crepúsculo, o pôr-do-sol. Victor estava seguindo o caminho que levava até a praia. Quando chegamos o céu estava mesclado em seus tons de azul, laranja, e rosa.
   -Chegamos.
   -Nossa, o céu está incrível.
   -Você me falou que esse era o seu lugar favorito e que essa era a sua hora do dia favorita, então resolvi unir os dois com piquenique. O que achou?
   -Nossa, você me surpreende a cada dia sabia?
   -Isso é bom ou ruim?
   -É perfeito.
   Estendemos a toalha que ele levara na areia e nos sentamos abraçados, apenas assistindo ao astro rei fazer seu espetáculo. Me lembrei de quando eu imaginava trazer alguém especial ali, percebi que Victor sempre fora esse alguém, e que ninguém poderia ser mais especial. Ninguém poderia me fazer mais feliz do que ele. Ficamos ali por um bom tempo apenas abraçados, curtindo a companhia um do outro, até a lua aparecer acompanhada por suas fiéis escudeiras, as estrelas.
    -Que nome vamos dar aos nossos filhos? – Eu o indaguei, só pra saber se ele responderia ou fugiria do assunto.
    -Sempre gostei de Gabriel e de Joana.
    -Gostei de Gabriel, mas Joana... Não sei.
    -Ah para, Joana é bonito.
    -Prefiro Miley.
    -Acho que não.
    -Que tal Savannah?
    -Que tal Raíssa?
    -Raíssa? Não. Que tal Victória?
    -Hum, Victória é um nome bonito.
    -Claro, é o feminino do seu.
    -Então, Gabriel e Victória?
    -Acho que é uma boa combinação. – Fiz uma pequena pausa procurando os seus olhos. – Mas acho que gostaria que meu filho se chamasse Nathan.
    -Eu gosto de Nathan, sabe o que é mais interessante?
    -O que?
    -Seu sorriso fica lindo na luz do luar.
    -Bobo.
    -E você já decidiu se vai na festa comigo amanhã?
    -Ai, Victor, você sabe que eu não gosto de festas assim.
    -Por mim, por favor.
    -Tudo bem, eu vou.
    Eu apenas o beijei, tentando passar a ele a minha gratidão por tudo que ele fizera por mim, e por tudo o que ele me fazia ser. Alguém mais feliz. Depois disso ele abriu a cesta e tirou as coisas que ele havia levado. Um pote cheio de quindinzinhos, outro com sanduíchinhos e outro com cookies. Para beber ele havia levado uma garrafa com suco natural de laranja e outra com refrigerante. Ele tirou um quindim e me deu na boca, depois fiz o mesmo por ele, e tive o desejo de ser cuidada assim pro resto da vida. Nós ficamos lá, comendo e rindo, em uma noite mais do que perfeita. Depois de comer nos deitamos sob a toalha e eu comecei a identificar as constelações e apontá-las para Victor, ele parecia interessado no assunto e pareceu prestar atenção em tudo. Quando estava ficando muito tarde, Victor achou melhor me levar pra casa para que a mamãe não ficasse preocupada. Recolhemos as coisas e caminhamos em direção a minha casa.
    -Obrigado por tudo.
    -Não fiz mais do que a minha obrigação, te fazer feliz.
    -Às vezes acho que você não é real.
    -Pode me beliscar, eu deixo.
    Eu ri, e o dei uma mordida em sua bochecha.
    -Gosto de loção pós barba. – Eu ri, fazendo uma careta.
    -Mas agora você viu que eu sou real não é? – Ele disse rindo.
    -Realmente. Se não fosse, teria gosto de quindim.
    Ele riu, soltando a minha mão e me abraçando pela cintura.
    -Te amo muito.
    -Eu também te amo muito.
    Quando chegamos em casa, nos despedimos como sempre. Entrei em minha casa, enquanto ele ia embora para a sua. Tudo parecia perfeito, até que ouvi um choro saindo do quarto de John. Minha expressão que antes era pura alegria e magia, se fechou na hora. Bati na porta do quarto de John.
    -John, posso entrar?
    -Nat? – Ele indagou, parecendo querer recuperar as forças.
    -Sim, sou eu.
    -Pode. – Sua voz era embargada.
    Eu abri a porta e o encontrei com os olhos inchados, deitado na cama coberto pelo edredom. Rapidamente ele enxugou suas lágrimas. Aquilo foi de cortar o coração, foi como sentir uma navalha afiada atravessando o meu estomago.
    -Ei, - Me sentei na cama, de modo que podia olhar em seus olhos. – O que aconteceu?
    -Nada.
    -Ninguém chora por nada John. Olha pra mim... O que está acontecendo?
   Ele se endireitou sob a cama, e me olhou nos olhos.
    -Promete que não vai contar pra mamãe?
    -Prometo.
    -Promessa de dedinho?
    -De dedinho. – Eu estiquei meu dedo mindinho pra que ele pudesse encaixar o seu.
    -Então, hoje meus colegas estavam falando sobre o que eles fizeram em seus finais de semana... – Ele engoliu em seco. – Um deles foi pescar com o pai, outro jogou futebol com o pai, o outro visitou o serviço do pai, e eu... – Uma lágrima escorreu em seus olhos. – Eu me dei conta de que não tenho um pai. E então eles me perguntaram como era o meu pai, já que eu nunca falara dele, e tudo que eu consegui dizer foi que eu não tenho um. – Ele engoliu em seco novamente e mais uma lágrima escorreu pelo seu rosto. – E os garotos riram de mim por causa disso, como se eu fosse órfão, e tudo o que eu fiz foi ficar calado e ir pro banheiro chorar sozinho.
    Quando ele parou de falar, notei que os meus olhos estavam marejados de lágrimas. Aquilo já havia acontecido comigo, e era como ver o mesmo filme de terror duas vezes. A raiva que eu sentia daqueles moleques fez meu coração se apertar, ninguém podia fazer aquilo com John, eu não podia deixar. Eu o abracei bem forte, porque senti que era o que ele precisava, e só então comecei a falar.
   -John, primeiro de tudo, você tinha um pai e ele te amava muito. Não estava nos planos dele, nem nos de ninguém acontecer o que aconteceu, mas ninguém podia evitar. – Eu segurei sua mão. – E você não é órfão, nunca se sinta assim, você tem eu, tem a mamãe e nós te amamos muito e fazemos o possível pra te dar a melhor família de todas. Você não pode se entristecer pelo que esses garotos falaram, você tem que erguer a cabeça e ter orgulho do que o seu pai foi e do que você é. E amanhã mesmo vou até a sua escola conversar com a sua professora, esses garotos estão precisando de uma lição.
    -Não precisa fazer isso Nat.
    -Eu quero. Desde que o papai morreu foi sempre assim, nós dois. Eu te defendo e você me defende. Eu não posso ver esses garotos fazendo isso com você e ficar parada, sem fazer nada. Amanhã vou pedir a mamãe pra faltar a escola e te levar no colégio, lá eu vou ter uma conversa com a sua professora.
    -Nat, eu te amo. – Ele parecia melhor, um sorriso de canto surgiu em seu rosto.
    -Eu também te amo John.
    Eu o abracei forte mais uma vez.
    -Promete pra mim que vai ficar bem?
    -Prometo.
    -Então, agora é hora de dormir. Boa noite John.
    -Boa noite Nat.
    Eu o dei um beijo no rosto, ele se deitou. Antes de apagar a luz dei uma última olhada nele pra ter certeza de que estava tudo bem, e só então o fiz. Fechei a porta e caminhei em direção ao meu quarto. A raiva daqueles moleques me consumia. Eu me enfurecia a cada vez que pensava em John chorando. Coloquei um pijama, desativei o rádio relógio pra que não despertasse no horário habitual no dia seguinte e me deitei, sabia que os movimentos de John dentro de casa na hora de levá-lo pra escola me acordariam. Dez minutos depois, alguém bate na porta.
    -Pode entrar.
    -Nat, posso dormir aqui com você? – John falou sussurrando.
    -Claro que pode meu pirralho.
    John trazia seu edredom e o travesseiro, ele se ajeitou ao meu lado, e eu apaguei a luz.
   -Boa noite Nat.

   -Boa noite John.

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