Capítulo 5, Marcas.

5

    Saí de casa, e a cada passo que eu dava em direção a loja  meu coração ficava mais acelerado, e minhas mãos mais suadas. Era como se a Jen Ledger estivesse tocando bateria dentro de mim. Quando cheguei na loja, Victor já estava lá, escolhendo a guitarra que iria usar.
    - Gosto da Gibson preta, acho linda. - Essa fora a melhor forma de puxar assunto que conseguira pensar no momento.
    - Oi Natalie! Bom, sendo estilosa como é, acho melhor eu confiar em você. - Disse ele destacando a Gibson preta dentre as outras.
    - Ok, o garoto mais estiloso que eu conheço confiando no meu gosto, me sinto privilegiada. - Falei empinando o nariz, num gesto orgulhoso.
    - Para Natalie,  - Ele soltou uma risadinha leve. - não sou estiloso, uso o que gosto e acabou.
    - Claro, diz o garoto usando calça skini preta, uma camiseta branca com essa estampa linda de águia e all star. – Minha ironia típica insistia em ser mais forte do que eu. - Tudo bem, não é estiloso.
    - Eu não sou. – Ele falou seriamente debochado. - Mas tudo bem então, deixemos essa discussão de lado, preparada?
    - Sempre... – Disse eu tentando mostrar segurança, quando na verdade estava simplesmente ansiosa o bastante pra errar todas as batidas. – Eu acho. – Revirei os olhos.
    - Você me parece um pouco nervosa... - Ele fez uma pausa como se me analisasse. - Já sei! – Disse ele se aproximando e olhando nos meus olhos, fazendo minhas pernas estremecerem como pedaços de bambu verdes. - É a minha beleza te deixando nervosa, não é?
    - Convencido. – Falei com um sorriso, tentando disfarçar toda a ansiedade que me envolvia naquela cena.
    Ele ficou olhando fixo para o meu rosto e sorrindo, como quem admira algo, e então surgira aquele clima que era inevitável quando nos deparávamos frente a frente. Não pude deixar de notar o brilho de seus olhos azuis ao encontrar os meus. Eu sabia que era cedo demais pra tudo aquilo, mas por algum motivo desconhecido eu não queria parar de correr esses riscos.
    - Desculpa, estou interrompendo alguma coisa? – Uma moça bonita e bem vestida parada na porta falara.
    - Não acredito, Lara por aqui? – Disse Victor se afastando com um sorriso no rosto e abraçando a moça. – Estava com muita saudade de ti.
    - É irmãozinho, – disse ela bagunçando os cabelos de Victor – também estava com saudades. Essa deve ser Natalie, a garota de quem você tanto falou ontem pelo telefone.
    Eu não sabia onde me enfiar, fiquei com tanta vergonha que senti o meu sangue todo subir subitamente pro meu rosto.
    -, Ah obrigado por sua sinceridade e por me deixar constrangido. – Falou Victor rindo. – Sim ela é Natalie, minha amiga.
   - Amiga, sei... - Seu rosto tinha uma expressão pretensiosa. - Prazer “amiga” do Vi, - Disse Lara estendendo a mão, em um momento propício para um aperto. - não precisa ficar vermelha não, o Vi sempre me contou tudo.
   - O prazer é meu. - Disse isso sorrindo, quando na verdade queria sair correndo dali.
   - É maninho, sua namorada é bem simpática, tem minha aprovação.
   - Lara, você está deixando ela constrangida, ela não é minha namorada. – Ele se virou pra mim, me olhando nos olhos com um sorriso de canto. - Pelo menos, não ainda.
   Ao ouvir aquilo senti um arrepio subir da ponta do dedo do pé até o último fio de cabelo. Sorri de volta encabulada, a presença de Lara ali ainda me deixava constrangida.
   - Cadê o seu marido? – Disse Victor virando-se pra Lara novamente. – Ele não veio?
   - Não, ele ficou cuidando da loja. Colocamos funcionários novos e alguém tinha que fiscalizá-los. Eu vim fazer uma visita porque estava com saudade, volto pra minha terra quinta-feira. Mas, cadê o papai?
   - Ele não tem ficado muito na loja ultimamente, está em casa com a mamãe descansando.
   -Tudo bem, vou lá então. Beijo Vitinho, beijo “amiga” do Vitinho, até mais. – Ela falou de um jeito bem espontâneo e meio maluco, típico de uma pessoa contagiante.
   -Tchau, - Disse eu sorrindo. – e novamente, foi um prazer conhecê-la. -  Disse estas palavras por simplesmente não saber o que dizer, pra onde olhar, nem de que forma agir.
   -O prazer foi meu, beijo!- Ela disse saindo pela porta de vidro e acenando.
   -Tchau Lara, vai com Deus! – Disse Victor, parecendo um pouco sem paciência. – Avisa o papai que a baterista veio.
   Lara saiu, e eu me senti aliviada, simplesmente aliviada.
   -Mil desculpas linda, minha irmã só tem idade, porque continua sendo uma criança. Ela é sempre assim.
   -Capaz, gostei dela. Mas então é verdade?
   -O que? – O rosto de indagação dele o tornava ainda mais lindo e irresistível. Ele me atraía demais, era como se tivéssemos uma ligação de séculos.
   -Que você falou de mim pra ela? – Pela declaração de Lara eu sabia que era, mas queria ouvir aquilo da boca de Victor.
   -Bom, espero que não se importe, mas eu sempre conto tudo à ela.
   -Imagina. Mas você falou mal de mim pra ela? – Deboche, só pra ver o que viria a seguir
   -Falei que você é chata, – Disse ele tocando o dedo na ponta do meu nariz, sorrindo. – e que é a garota mais incrível que eu já conheci nessa cidade.
   -Victor, para. – Estava horrivelmente encabulada com todos aqueles elogios. – Olha, chegou cliente.
   -Vou ali atender, bem que o movimento podia continuar parado nessa loja hoje né, droga. – Ele falou decepcionado.
   -Vai lá Victor, e para de reclamar.
   Victor foi atender um garoto que queria saber o preço de uma guitarra. O menino tinha um brilho nos olhos ao analisar as guitarras. Reconheci aquele brilho nos olhos, e lembrei de quando eu tinha oito anos, quando entrei na loja de música com meu pai e vi aquelas baterias lindas, e percebi que aquela seria a minha paixão pra sempre. O garoto estava sozinho, e disse que iria só olhar as guitarras, mas o que me impressionou, foi que Victor foi muito gentil com o menino, mostrou as guitarras, deixou ele segurá-las, até ensinou um acorde pro garoto. Quando me dei conta estava admirando aquilo com um sorriso bobo no rosto, Victor realmente não era como os outros garotos, ele era bondoso, ele era meigo, ele era gentil. O menino saiu da loja como quem acabara de sair da festa mais divertida de sua vida.
   -Natalie, o que foi? – Victor indagou, ao perceber meu sorriso.
   -Você foi muito querido com aquele menino, admiro isso nas pessoas.
   -Estava apenas ajudando o garoto a realizar um sonho.
   -É “Vitinho”, você está me impressionando.
   -Não, Vitinho não. – Disse ele rindo. – Mas tudo bem, se esse apelido for carinhoso da sua parte, eu deixo você me chamar assim.
   -Vitinho. – Eu disse rindo. – Mas então, vamos tocar?
   -Claro. – Disse ele, pegando a Gibson preta e conectando no amplificador. – Mas antes só uma pergunta.
   -Fale.
   -Com quantos anos você começou a tocar? – E lá vamos nós, mais histórias sobre a minha vida. Mas de certa forma eu não me importava em contar, era bom saber que ele estava interessado em minha vida. E era ótimo poder conversar com ele sobre qualquer assunto que fosse.
   -Com nove anos.
   -Nossa, e como você aprendeu?
   -Meu primo que na época tinha dezesseis anos tocava, e eu desde os oito era apaixonada por aquele instrumento, adorava ir pra casa da minha tia, só pra ver meu primo tocar. Então  quando eu tinha nove anos, meu primo começou a me ensinar na bateria dele, ele me ensinou mais o básico. Com dez anos eu ganhei a minha bateria, e nunca mais larguei. E assim fui descobrindo o resto sozinha, ouvindo as bandas que eu gosto. E você? – Disse eu com as baquetas na mão, sentada no banquinho da bateria. – Quando começou a tocar, e como?
   -Bem, quando eu tinha sete anos, meu pai já tinha a primeira loja e ele tocava desde jovem, quando aprendeu por iniciativa própria. Então eu me interessei por aprender a tocar violão. Meu pai nunca me forçou a aprender a tocar, ele sempre falou que é uma coisa que não se aprende por força e sim por paixão. Ele começou a tirar uma hora por dia pra me ensinar e eu adorava aquilo. Depois de um ano, comecei com a guitarra e nunca mais a soltei.
   -Nossa, seu pai parece ser mesmo apaixonado por música.
   -Você adoraria conhecê-lo, e ele adoraria conhecer você. – Ele demonstrava ter muito orgulho do pai, era como se fosse um ídolo pra ele.
   -Eu imagino, ele deve ser incrível. Mas sem mais delongas, vamos tocar?
   -Vamos, mas qual música?
   -“The last night da Skillet? Pode ser?
   -Claro, mas é um dueto, se você topar cantar com a minha singela voz.
   -Mas é claro, eu é que te pergunto se você topa cantar com essa minha singela voz.
   -Vamos unir as nossas singelas vozes então. – Disse ele sorrindo.
   E assim nós tocamos. Quando olhei pra porta haviam umas seis pessoas paradas ouvindo, e se interessando. Ele tocava de frente pra mim, o que facilitava a nossa harmonia, sem parar com as trocas de olhares. Quando paramos de tocar, as pessoas que estavam na porta bateram palmas para a nossa música e nós agradecemos rindo com acenos. Victor as convidou para entrar e dar uma conferida na loja. Todos entraram. Os garotos estavam interessados nos instrumentos, mas as garotas, pareciam mais interessadas no atendente, e confesso que fiquei só um pouquinho enciumada. Tudo bem esse era um grande defeito meu, tenho muito ciúme, só as vezes não demonstro. Victor estava mostrando os instrumentos aos garotos, e bom, acho que não custara nada ajudar. Levantei-me do banco e fui atender as garotas. Eram três. Odiei aquela sensação de ciúmes, mas não pude ficar vendo aquelas garotas tarando ele, enquanto eu não fazia nada.
   -Boa tarde garotas, – Eu disse sorrindo, tentando parecer simpática. -  posso ajudá-las?
   Reparei Victor me olhar e rir, mas sem parar de dar atenção aos garotos.
   -Não, obrigada. – Disse uma das meninas. – Estamos apenas dando uma olhada.
   -Tudo bem, fiquem a vontade, se precisarem de qualquer coisa é só me chamar.
   Sentei em uma cadeira.  Odiava aquela sensação de ser tão frágil como isopor por causa do ciúme. Quando o pessoal todo saiu e Victor veio em minha direção.
   -O que foi aquilo? – Disse Victor rindo. – Você leva jeito pra vendedora.
   -Que isso, estava mais interessada em barrar uns olhos apressados.
   -Como assim?
   -Ah vai dizer que você não notou as meninas te secando?
   -Ah então quer dizer que você estava com ciúme? – Disse Victor rindo novamente. – Que linda.
   -Eu não estava com ciúmes .
   -Estava sim, estou vendo nos teus olhinhos.
   -Tudo bem, tudo bem, talvez um pouquinho. – Odiei ter que admitir.
   -Sabia! Mas... Posso te confessar uma coisa?
   -Fale. – Curiosa, fato.
   -Aqueles garotos me pediram o seu telefone.
   -Sério? E você deu?
   -Claro que não, ficou maluca? – Disse ele rindo. – Falei pra eles tirarem olho porque você já tinha dono. – E mais uma vez aquele sorriso levado surgiu em seu rosto.
   -Interessante, e você pode me informar quem é o meu dono, por favor? – Ironia sempre foi meu segundo nome.
   -Ah, assim... Não é bem dono ainda, mas vai ser eu tenho certeza. E esse cara é lindo tem os olhos azuis, é alto...
   -Nossa! – Eu disse rindo, querendo debochar um pouquinho, fazer o que? É a minha natureza. – Me apresenta esse cara então.
   -Haha, engraçadinha.
   -Eu sei.  – Fiz cara de orgulhosa. - E por que você tem tanta certeza de que vai ser meu dono?
   -Simplesmente por que eu não consigo me conter quando te vejo, me dá vontade de estar o tempo todo contigo, te abraçar, e eu nunca senti isso por alguém em tão pouco tempo. – Ele segurou meu queixo, deixando se rosto um pouco mais próximo, com os olhos vidrados nos meus. – E o brilho dos teus olhos não me enganam, eles me dizem que você também sente isso quando me vê. Você sente?
   Meus olhos brilharam mais ainda com essas palavras, meu coração palpitou um turbilhão de emoções. Eu estava com medo de responder, eu de fato sentia exatamente aquilo, mas estava com muito medo de as coisas estarem indo rápido demais, de eu acabar me iludindo. Tinha medo de falar que sim e me ferrar, e medo de falar que não e magoá-lo. Por uns trinta segundos eu permaneci em silêncio e vi ele me esperar com paciência, como se conseguisse sentir eu reavendo meus conceitos. Não sei por que motivo tinha algo dentro de mim que tinha certeza que eu podia ser totalmente sincera com ele, de que ele podia me entender. E foi exatamente o que eu fiz.
   -Vou ser extremamente sincera com você Victor. Sim, eu sinto exatamente tudo que você falou, mas...
   -Xiiiu! – Exprimiu ele pondo um dedo em minha boca, me interrompendo. – Não fala mais nada.
   E ditas essas palavras ele aproximou sua boca da minha, e com um beijo suave e delicado, me calou completamente, como se estivesse apertando a tecla “pause” no aparelho de som.
   -Eu também não quero ir rápido demais – Disse ele me surpreendendo. - mas não dá pra evitar, é algo muito forte o que eu sinto por você.
   -Nossa, parece que com o beijo você tirou as palavras da minha boca, eu tenho medo de me magoar, ou te magoar, ou sei lá algo dar errado se formos rápido demais.
   -Te entendo perfeitamente, também sinto medo, mas quer saber, se o que sentimos um pelo outro é tão forte, não tem o que dar errado.
   -Concordo com você, e bom, você já sabe de toda a minha vida, com certeza confio muito em você, o que nunca aconteceu com alguém que eu conheço à três dias.  – Busquei um outro assunto, para que não me arrependesse de nada que poderia falar com essa conversa toda. - Acho que seu pai não gostaria de nos ver aqui de papo furado, acho melhor nós tocarmos.

   -Claro vamos lá. – Ele entendeu meu medo, pude sentir isso em seu olhar.

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