Capítulo 8, Marcas.

8

   O despertador tocou, eu me levantei e acordei Anna. Me arrumei como de praxe, rimos muito. Coloquei um short preto, a camiseta do colégio, meu all star vermelho, meus brincos vermelhos e como sempre meu colar de baquetas. Anna também se arrumou e fomos comer. Como de praxe, John e mamãe ainda dormiam. John entrava na escola as 08h00, e sempre acordava em cima da hora. Preparei um suco, pus a mesa, com pães, biscoitos e frutas.  Comemos com pressa, estávamos meio atrasadas.
   -Então, vamos?
   -Vamos.
   Saímos de casa, Anna e eu seguimos mais felizes do que nunca até a escola. Quando botamos o nosso pé no portão, todos vieram nos perguntar o motivo da nossa felicidade, e porque ríamos tanto. E só o que sabíamos responder era “porque a vida é bela”. E realmente pra mim, ela estava começando a mostrar sua beleza.
   De repente, meu celular vibrou, era uma sms do Victor.
   “Minha princesa, a loja não vai abrir hoje à tarde, porque vai vir uns caras fazer a manutenção dos banheiros e da rede elétrica. Topa sair comigo?”
   Minha princesa? Aquelas palavras tinham um efeito sobre mim que ninguém sabia, sempre adorei que me chamassem assim. Sorri com o fato. Voltei a realidade. Era uma ótima idéia, já que John iria passar a tarde com a mamãe e uns amigos no parque, eu aproveito, saio com o Victor e compro o presente dele que eu ainda não havia comprado. Aproveitei que a professora ainda não tinha entrado na sala pra respondê-lo.
   “Claro que topo, mas você vai ter que me fazer um favor.”
    Depois de um minuto ele respondeu.
   “Pra você até dois.”
   Ele não perdia a chance de me cortejar nunca, isso era de um modo estranho, cavalheirismo. Respondi-o imediatamente.
   “Ok, você vai ter que ir comigo comprar um presente pro meu irmão que está de aniversário hoje, e já que você disse que posso fazer dois pedidos, vai ter que me ajudar a escolher o presente.”
   Parecia que ele usava um cronômetro e calculava pra me responder sempre um minuto depois.
   “Claro, sem problema nenhum.”
   Ele era realmente muito prestativo. Respondi-o novamente.
    “Obrigado Vitinho, agora tenho que parar porque a professora está chegando na sala. Até à tarde feioso s2”
    Novamente um minuto.
   “Tudo bem, não vou te atrapalhar mais minha linda. Até mais, beijo s2.
    A professora chegou e eu rapidamente guardei o celular. A aula foi aquele tédio de sempre, exercícios matemáticos, exercícios químicos, alegria pura. Quando bateu o sinal pra sair, todos saíram em disparada e Anna veio em minha direção.
    -Nat... – Seu sorriso ia de orelha a orelha.
    -Fala.
    -Ele me mandou sms. E nós conversamos por um tempão durante a aula, deixei o celular meio escondido. Vamos sair amanhã à noite.
    -Eu sabia que isso ia acontecer. Vocês vão acabar namorando, vai por mim. – Falei confiante, eles formavam um belo casal, e sinceramente, Kevin seria burro demais se dispensasse Anna.
    -Eu estou muito feliz, meu Deus do céu. – A felicidade de Anna estava estampada em sua cara, Kevin a fazia bem, e isso era o que importava.
    -Estou vendo.
    -Bom, vou pra casa amiga tentar não morrer, beijo e obrigado por tudo.
    -De nada, amigas são pra essas coisas, e não morra hoje, por favor. Beijo.
    Peguei minha mochila e fui pra casa com meus fones de ouvido na última altura. Cheguei em casa, mamãe como sempre já havia posto a mesa, John e ela já estavam sentados. A comida estava cheirando muito bem, ela tinha feito lasanha, e eu estava morrendo de fome. Digamos que a gula era um dos pecados que eu mais cometia.
   -Oi família! – Falei largando a mochila de canto.
   -Oi filha.
   -Oi Nat.
   -Nossa! Que delícia, lasanha.
   -Foi o John que escolheu o cardápio de hoje. – Houve uma pequena pausa enquanto só o que se ouvia era o barulho dos talheres.
   -Mãe, preciso da sua permissão pra uma coisa. – Aproveitando esse momento feliz, achava que seria uma boa hora de falar sobre o show.
   -O que, pra namorar?
   -Não mãe! É que assim, a loja vai patrocinar o show da Skillet que vai ter em Porto Alegre, e o Willian ganhou quatro ingressos pra comparecer ao show, e iria ele, a mulher dele e o Victor e sobraria um ingresso. Então ele disse ao Victor que podia dar o ingresso pra quem ele quisesse, e o Victor me deu. Agora só resta saber se a senhora deixa, porque pra ir eu vou com eles eu acho, e pra comer eu tenho o meu salário.
   -E quando vai ser esse show?
   -Vai ser mês que vem.
   -Bom, se o Willian e a esposa vão, você pode ir, mas toma muito cuidado por favor minha filha. – Dava pra ver que mamãe havia gostado de Willian e que ele lhe pareceu ser de confiança.
   -Ai obrigado mamãe, fez a minha felicidade agora. – Dei um beijo em sua bochecha. - E pode deixar que eu vou me cuidar direitinho.
   Terminamos de almoçar e minha mãe logo foi para o parque com o John. Assim que mamãe saiu, mandei uma sms para o Victor.
   “Me encontra daqui a meia hora na frente da escola, pode ser?”
   E cada vez eu tinha mais certeza de que ele calculava exatamente um minuto pra responder.
   “Você não prefere que eu te busque aí na sua casa?”
   Respondi, com medo de causar incômodo.
   “Não vai ficar ruim pra você?”
   Um minuto depois...
   “Claro que não, mais tempo pra ficar contigo. Te busco aí daqui a meia hora. Beijos princesa.”
   Fui me arrumar, e novamente, dúvida cruel; “Que roupa eu uso?” Nunca fui de ter essas dúvidas, sempre fui de vestir o que for confortável e deu, mas Victor despertou isso em mim. Pus o short que havia emprestado pra Anna no dia anterior, uma blusinha branca com uma estrela grande e vermelha na frente, que mostrava os ombros, e um coletinho preto por cima, e meu all star vermelho. Como sempre meu colarzinho de baquetas, maquiagem básica, mas com os olhos bem contornados. Quando a campainha tocou, peguei meu celular, dinheiro e saí em disparada. Quando cheguei lá na frente ele estava de bermuda jeans camiseta gola vê branca e um all star branco com o símbolo da Converse preto do lado. Lindo e estiloso como sempre.
   -Oi minha princesa, - Ele me olhou de cima a baixo, sem nenhuma intenção de parecer discreto. – linda e estilosa como sempre. - Leu a minha mente?
   -Eu ia dizer o mesmo de você. Mas então meu príncipe, vamos? – Gostei do som das palavras, “meu príncipe”, dava um tom mais besta e romântico a conversa. Ele riu de forma contagiante.
   -Príncipe eu?
   -Sim, se eu sou a princesa, você é o meu príncipe.
   -Sendo assim, eu sou um príncipe.
   -Então vamos?
   -Claro minha princesa. – Ele parecia notar agora o efeito das palavras “minha princesa” sobre mim, pois repetia elas constantemente.
   Fomos conversando sobre tudo. Preferências, medos, exigências, qualidades e defeitos. Ele me conhecia melhor do que qualquer pessoa.
   -Do que você tem medo?
   -Das baratas quando voam. – A conversa ganhou um tom descontraído, adorava isso.
   -Nossa eu também morro de medo disso.
   -Mas você é um garoto, não devia ter medo disso.
   -Macho também tem medo de baratas que voam.
   -É verdade, todo mundo tem medo das baratas quando voam. Mas eu também tenho medo de aranha, de sapo, de cobra, de marimbondo e de mamangava. – Fui contando nos dedos enquanto denominava todos os bichos que me causavam arrepios.
   -Maman... O que?
   -Um besouro preto gigante, grotesco, arrepiante que faz um barulho horrível. – Fiz uma careta de nojo e pavor ao mesmo tempo.
   -Ah sim. Eu tenho medo de mariscos. – Ele falou como se fosse a coisa mais natural do mundo alguém ter medo de mariscos.
   -Mariscos? Como assim tem medo de mariscos? – Dei uma gargalhada gigante. - Nunca vi ninguém que tenha medo de mariscos.
   -Eu tenho, e é sério, é que quando eu era pequeno, mariscos cortaram a minha perna e saiu muito sangue, foi um corte horroroso, aí eu fiquei traumatizado.
   -Que dó do Vitinho. – Falei irônica, e rindo.
   -Vai rindo é, - Ele falou rindo também. – se você tivesse se cortado também, não ia rir.
   -Desculpa, mas é que é muito engraçado, pra mim é a mesma coisa que dizer que tem medo de... – Procurei uma palavra, ou algo que fosse inofensivo e acabei falando a primeira coisa que veio a mente. - Laranja.
   -Eu sei, todo mundo ri disso. Mas assim, seu maior medo, tipo, medo sério?
   -Meu maior medo é de perder mais alguém que eu amo. – O tom descontraído deu lugar a seriedade na conversa.
   -Imagino, eu também tenho muito medo disso. – Seu rosto se fechou.
   -Como você sabe, pode ser muito cedo pra falar qualquer coisa, mas quando eu falei “as pessoas que amo”, automaticamente meu coração e minha mente incluíram você nessa lista. – Ao terminar de falar isso me assustei. Falei besteira. Idiota era claro que era cedo demais pra isso, pensei que ele iria ficar me olhando apavorado, mas era o que eu sentia e novamente as palavras haviam pulado da minha boca.
   -Quando eu falei que também tenho medo, meu coração também incluiu você.
   E dito isso, ele segurou minha mão e entrelaçou seus dedos nos meus. A nossa sinceridade um para com o outro era incrível, era muito translúcida. Não sabíamos mentir um para o outro e isso era o que me dava mais segurança. Fiquei feliz ao saber que não tinha falado besteira e que ele não havia me achado uma idiota.
   -Sabe, eu acho que te amo. – Ele falou primeiro, me olhando com um rosto que apresentava descontração e sinceridade.
   -Pois é eu também acho que te amo.
   -Isso é a hora de um beijo?
   -Acho que sim. – Falei sorrindo. Então, ele se virou pra mim rindo, aproximou seus lábios dos meus e me beijou. Ainda não tínhamos chegado no centro comercial da cidade, portanto ninguém passava na rua. As pessoas podem até achar isso engraçado, mas para mim era importante que fosse assim, sinceridade em tudo, até nesses momentos.
   Não sei por que motivo, mas contei pra ele meus maiores segredos, aqueles que eu nunca contei a ninguém, nem mesmo a minha mãe. E ele também me contou seus maiores segredos, coisas que ele não havia contado a ninguém, e assim juramos segredo eterno um pro outro. Juramento de dedinho, e não se pode quebrar juramento feito de dedinho.
   Chegamos no centro comercial, entramos em várias lojas a procura de um presente pro John. Victor opinou em tudo, e eu segui seus conselhos já que ele é homem, e entendia melhor do que eu. Então acabei comprando um carrinho de brinquedo grande e bem parecido com um de verdade que Victor tinha se encantado, e um jogo de palhetas com carros diferentes desenhados. Pedi pra moça embrulhar pra presente, ela embrulhou e nós saímos da loja.
   -Então, hora de irmos pra casa. – Falei desapontada.
   -Não! Vamos dar mais uma volta, aproveitar o tempo juntos. – Ele falou com uma carinha, que fez eu me sentir a pior idiota do mundo se rejeitasse.
   -Tudo bem, mas eu tenho que estar em casa às 17h00.
   Saímos caminhando sem destino, apenas caminhando.
   -Claro, claro, estaremos lá às 17h00, como a senhora Mansfield quiser.
   -Senhora Mansfield?
   -Sim, casa comigo? – Seu olhar era tão lindo ao falar essas palavras, e seu sorriso me deixou derretendo por um tempo.
   -Bobo.
   -Pode ser que agora não, mas sei lá a cada segundo que passa eu tenho mais certeza que é do seu lado que eu quero acordar quando eu estiver velhinho, e é de mãos dadas com você que eu quero estar daqui a vinte anos, é abraçado em você que eu quero viver a minha vida.
   Meu coração bombeava sangue em um ritmo tão acelerado que parecia que eu ia explodir, minhas pernas tremeram, meus olhos brilharam e minha alma parecia leve como uma pluma. Minha felicidade não podia ser contida ao ouvir aquilo, pra muita gente eu podia ser uma idiota caindo num papinho manjado de um garoto esperto. Mas eu sabia que não era isso, que era muito mais do que isso. Sentia a sinceridade de Victor gritar dentro de mim, era como se o meu coração batesse dentro dele, e o coração dele batesse dentro de mim. Sem pensar, abracei-o pela cintura bem forte, pra não ter como ele escapar, ainda caminhando olhei nos olhos dele. De todas as coisas bonitas que ele já havia me falado, aquela sem dúvida era a mais bela.
   -Victor, foi a coisa mais linda que eu já ouvi em toda a minha vida. Você é a única pessoa com quem eu me imagino daqui a cinquenta anos, você foi o único que me conquistou de verdade. A tua sinceridade, teu jeito de ser, teu sorriso, teus abraços são o que me fazem feliz, e são o que eu quero que continuem me fazendo feliz pro resto da vida.
   -Princesa, acho que fomos feitos um pro outro sabia? – Novamente “aquele” sorriso.
   -Também acho meu príncipe.
   E ainda abraçados ele me deu um beijinho na bochecha com delicadeza. Achamos um banquinho em uma praça solitária pra sentar. Sentamos, e ele me abraçou por cima dos ombros, e eu deitei a minha cabeça em seu ombro. Ele segurou minha mão direita e ficou olhando pra ela.
   -Já reparou como a sua mão se encaixa perfeitamente na minha?
   -Sim, reparei.
   -Não tem como não acreditar que fomos feitos um para o outro agora.
   -Pois é, você é a minha metade da laranja. - Nós dois rimos.
   -A tampa da minha panela.
   -O aquário do meu peixe.
   -Chega, fomos feitos um para o outro e ponto final.
   Nós rimos tanto que eu cheguei a ficar com dor no abdômen, conversamos sobre tanta coisa. Nossa família, nossa vida, nossos planos, nosso dia. Quando vimos já eram quatro e meia.
   -Acho melhor nós irmos, eu quero estar em casa quando meu irmão chegar do parque pra dar o presente pra ele. – Não queria cortar o momento, mas eu queria mesmo estar em casa para aproveitar o aniversário de John.
   -Ah sim, e as sete eu vou te ver de novo né, vou lá dar aulas pro seu irmão. – Falou todo orgulhoso.
   -Sim, claro professor.
   -Difícil vai ser me concentrar no aluno e não na irmã dele.
   -Idiota, meu idiota. Você é forte, você consegue. – Falei debochando, porque nada melhor que dar uma debochadinha da cara dele só pré vê-lo rir de si mesmo. Ele riu e me deu mais um beijo nos lábios.
   -Vamos?
   -Vamos.
   Ele entrelaçou seus dedos nos meus e continuamos andando.
   -Eu tenho uma coisa pra te contar.
   -Fala. – Eu me preocupava muito quando as pessoas vinham com essa frase, sempre esperava algo do tipo, “eu já matei alguém”.
   -Eu tenho uma meia de carrinho.
   Suspirei aliviada. - Eu tenho uma das princesas, então não me espanto.
   -Que bonitinhos, temos meias de criança.
   -Sim, lindos. – Ironia, prazer.
   -Meu pai disse quinhentas mil vezes que eu tinha que investir em você, porque você era uma garota de família e muito bem educada.
   -Nossa! Viu sou uma menina de ouro. – Disse com tom despojado e orgulhoso, e de certa forma, irônico.
   -Com certeza.
   -Eu contei pra  minha mãe sobre nós. Na real ela já sabia, porque as vezes eu acho que ela é vidente.
   -E o que ela falou?
   -Ela super apoiou e ainda te chamou de gato.
   -Ai ai, eu arrasando corações até das mães. – Ele levantou a cabeça, empinando o nariz, todo orgulhosinho.
   -Convencido sem graça.
   -Ai, sou tudo isso, mas você não vive sem mim né?
   -Quem te disse isso?
   -Teus olhos.
   -Que fofoqueiros!
   Ele apenas riu, mas riu muito. Meus olhos nunca foram de negar meus sentimentos, não seria agora que eles mudariam. Fofoqueiros malditos.
   -Ah e só pra constar mocinho, meu irmão viu o beijo que você me deu ontem quando foi me deixar em casa depois do serviço.
   -Ah é? Mas o que ele disse?
   -Ele disse que se você quiser namorar comigo vai ter que pedir pra ele. E ficou me enchendo a paciência com “A Natalie tem um namorado nanana”
   -Diz pra ele que eu vou fazer isso sim, afinal ele é o homem da casa.
   -Você ficou louco? Falar isso pra ele vai ser o mesmo que pedir pra ele encher bastante o saco se achando o homem.
   -Coitado do moleque.
   -Você teria a mesma opinião se vivesse com ele. Não vivo sem ele, mas ele me irrita as vezes.
  -Sei como é, ninguém acredita em mim quando digo que a Lara é muito chata.
   -Irmãos sem brigas, não são irmãos.
   -Com certeza.
   Demoramos exatamente meia hora pra chegar em minha casa. Ele se virou de frente pra mim. - Então, vou te deixar só por uns instantes, vou lá pra minha casinha tomar um banho, me arrumar pra vir dar aula pro meu cunhado.
   -Já nessas intimidades? – Ergui uma sobrancelha.
   -Claro, oras. – Ele sorriu. - Mas então, vou lá minha princesa - Me deu um beijinho nos lábios.
   -Tchau feioso.
   E assim ele foi embora eu entrei em casa e fui tomar um banho pra esperar John e dar o presente a ele. 

Comentários

Postagens mais visitadas