Capítulo 17, Marcas
17
Todos esvaziaram o quarto, e de repente me
deparei em uma situação que jamais imaginei que enfrentaria. Eu estava ali,
Victor estava ali, eu estava vendo ele, mas me sentia sozinha, e um vazio
pairava sobre o quarto. Me aproximei de Victor, passei a mão em seu rosto
desejando poder voltar no tempo, mudar aquela situação e não ter que passar por
tudo isso. Era inevitável as lágrimas rolarem ao vê-lo, até semana passada ele
era o meu Victor, sorridente Victor, extrovertido Victor, irritante Victor. Agora
ele é o Victor, aquele rapaz que sofreu um acidente e fora parar em coma. Era
horrível passar nas ruas e ver as pessoas olhando com pena pra mim, cochichando
coisas do tipo “Oh, não é a namorada do rapaz do acidente?”, ou “Coitada, passa
por aqui todo dia bem cedo indo para o hospital”. Era horrível ver Victor
assim. Era horrível meu desejo incansável de trocar de lugar com ele.
Olhei para o seu rosto, me abaixei um pouco
para que nossos rostos ficassem mais próximos, e pra que ele pudesse me ouvir.
Especialistas dizem que pacientes em coma podem ouvir, outros dizem que não. Eu
queria acreditar que sim, era o que me mantinha em pé.
-Parece que somos só você e eu novamente. Você
tem que ver as lindas flores que te deixaram aqui mais cedo. Sei que você não é
o maior fã de flores, mas sei que você sempre foi um grande apreciador das
coisas simples e belas, e essas flores são inexplicavelmente simples e belas.
Ah, e quanto a sua mãe, não se preocupe, foi apenas uma queda de pressão. Lara
teve de voltar a Santa Maria, mas no meio da semana ela estará de volta. – Fiz
uma pausa, pensando que talvez estivesse enlouquecendo, talvez fosse idiotice
pensar que ele me ouvia. Mas não queria parar, ele era o meu confidente, e eu
precisava conversar com ele como eu sempre fiz. A saudade das nossas conversas
fez as lágrimas voltarem. – Eu sinto a sua falta Victor. Volta pra mim por
favor. Eu não posso te perder, não posso. Ninguém entende o quanto isso está
sendo difícil, por mais que pensem que entendem, não entendem nem um terço do
que a minha vida se tornou, do que meu coração se tornou. Eu te amo Victor, e
estou aqui te esperando. – Enxuguei as lágrimas, dei um beijo em seus lábios e
sentei-me no sofá.
Por mais que eu não quisesse, minha
esperança já estava se indo, junto com os sonhos de uma vida inteira. Aquilo
era doloroso e frustrante demais. Eu não podia perdê-lo, eu morreria junto, mas
a cada dia que passava procurava em qualquer coisa uma fonte de esperança pra
continuar vivendo e acreditando na melhora de Victor.
Fiquei com os olhos estalados boa parte da
noite, andava de um lado pro outro no quarto, ia ao frigobar, pegava algo pra
comer, voltava ao sofá. Minha vida estava de cabeça pra baixo. Voltei a olhar
pra Victor, ele permanecia lindo como sempre, nem aqueles tubos conseguiam
enfeia-lo. Pus a cabeça entre as mãos, eu não sabia mais pra onde correr, o
mundo parecia girar descontroladamente a minha volta. O mais triste era lembrar
das cenas de romance, na praia, na loja, na rua, e chorar com o pensamento
atordoante de que aquilo poderia não voltar mais a acontecer. Chorei até o
cansaço pesar minha cabeça, e finalmente pegar no sono, sentada no sofá.
Foi aí que as coisas começaram a mudar,
mais um daqueles sonhos estranhos. No sonho eu via Victor, do mesmo jeito que
estava na maca. E como flashes eu me
via ajoelhada, falando com Deus. Falando com Deus? Eu? Mas era isso que eu via
no sonho. E eu lembro de estar chorando, e realmente pondo pra fora toda aquela
angústia. Eu clamava. Então eu vi uma luz branca, ofuscante, linda invadir o
quarto como um raio muito forte de sol. Invadiu e foi embora. Quando a luz foi
embora, voltei meus olhos a Victor na cama, e ele começou a abrir o olhos
lentamente.
Acordei. Acordei chorando. Não sabia o que aquilo
significava, mas sabia que aquilo era a minha última esperança. Me atirei de
joelhos ao lado da maca, e simplesmente comecei a clamar, com todas as lagrimas
que ainda guardava.
-Deus, eu sei que nunca fui próxima de ti,
pra ser sincera eu não sei nem como orar, ou falar contigo. Mas essa é a minha
única esperança, Victor é muito importante em minha vida, eu o amo, e não sei
mais o que fazer. Sou fraca, incapacitada, não posso fazer nada. – Tentava
achar forças para continuar falando no meio de soluços. - A fé que ainda me
resta Deus, eu estou colocando em ti, porque tu és o único que pode fazer
alguma coisa por Victor, só tu. – Uma paz de espírito me invadiu, como uma luz
no meio da escuridão. Pude jurar que senti uma brisa suave soprar em meu rosto,
como um descanso depois de tanta angústia. Me senti protegida, como se alguém
tivesse me segurado em seus braços, cuidando de mim com anelo. - Não sei se
estou orando da maneira correta, mas estou colocando toda a minha angústia pra
fora, e falando tudo o que sinto entalado em meu coração. Minha vida está
desmoronando, faça alguma coisa por mim. Faz Victor levantar dessa cama sem
nenhuma sequela, curado, Senhor. Deus, eu estou me derramando inteira nas tuas
mãos, porque realmente eu não sei mais o que fazer. Venha em meu favor Senhor
com o teu poder.
Abri os olhos inchados pelo choro
constante. Olhei para Victor, e nada havia acontecido. Fiquei olhando por um
tempo com todas as minhas esperanças lançadas sobre aquela oração. Sentei,
peguei a bíblia e abri, um versículo marcado.
“E
tudo o que pedirdes na oração, crendo o recebereis.” Mateus 21.22
Uma lágrima escorreu e molhou a página.
Olhei de novo para Victor, e nada acontecia. Fui até ele deixando a bíblia no
sofá. Me abaixei e repousei a minha cabeça sobre o peito dele.
-Meu Deus, por favor.
E mais lágrimas. Fiquei ali por um tempo,
sentindo o peso de sua respiração, apenas refletindo, na esperança de que algo
acontecesse e mudasse tudo. Voltei para o sofá, desanimada e frustrada. Depois
de mais lágrimas rolarem, peguei no sono.
Acordei pela manhã com as enfermeiras
batendo a porta. Elas entraram e pediram que eu me retirasse do quarto, Victor
teria que fazer novos exames no cérebro. Elas conversavam entre si, enquanto eu
dei uma última olhada para Victor, esperando algo de novo. Uma abertura lenta
dos olhos, um movimento lendo dos dedos, qualquer sinal. Mas nada. Dei um beijo
em sua testa alisando seus cabelos, me virei e saí, de cabeça baixa, com uma
frustração inevitável. Ouvi o barulho da porta se fechando após as enfermeiras
entrarem. Estava no final do corredor, quando a porta se abriu, e uma das
enfermeiras me chamou.
-Natalie, corre aqui, rápido!
Ai, ai, ai. Estava esperando pelo pior, a
expressão cética da enfermeira nada me dizia. Apertei o passo, imaginando um
mundo de possibilidades. Cheguei a porta do quarto com o coração bombeando
sangue tão aceleradamente que parecia que virava cambalhotas dentro de mim.
Olhei para dentro do quarto, e simplesmente não acreditei no que vi. Entrei em
choque. Alguns segundos depois consegui assimilar as informações e só então
abri um sorriso, e as lágrimas de alegria não se contiveram. Victor abriu os
olhos.
Ele olhou pra mim como com certa
dificuldade por causa dos tubos.
-Amor, o que aconteceu?
Ele havia acordado, me reconheceu, e ainda
me chamou de amor. Sua voz soava como uma doce sinfonia, trazendo de volta a felicidade
perdida. -Já não importa mais. – Eu fui correndo em sua direção e o beijei. –
Eu te amo tanto Victor.
-Eu também te amo muito. - Meu sorriso não
se conteve, eu estava ouvindo aquelas palavras, mágicas palavras novamente. –
Você não está mais brava comigo certo?
-Não, nunca estive, foi apenas passado.
-Por que estamos aqui? – Ele parecia
perdido.
-Não se lembra?
-Lembro apenas, da moto, do caminhão e de
tentar frear, mas era tarde demais. Depois disso não lembro de mais nada.
-Você deu um susto tremendo em todo mundo.
Veio pro hospital inconsciente e ficou uma semana e alguns dias em coma.
-Nossa! Sempre eu surpreendendo a todos. –
Mal acordou e já sorria com seu jeito maroto de ser.
-Não ouse surpreender ninguém desse jeito
de novo. – Eu sorri, levantando uma das sobrancelhas.
Catarina e Willian chegaram logo em
seguida, correndo. Choraram de felicidade ao ver o filho acordado. Todos
sorriam, e conversavam com Victor, contando a ele tudo o que aconteceu durante
sua estadia no hospital.
O médico veio em nossa direção.
-Parece que o nosso garotão acordou. Mas
ainda preciso fazer exames gerais, ainda temos uma cirurgia pela frente.
O sorriso sumiu do rosto de todos. Ninguém
se lembrava mais do coágulo.
-Que cirurgia? – Victor perguntou
preocupado.
-Te explico depois dos exames. – Disse o
doutor.
Victor foi levado a sala de exames. Eu fui
ao banheiro, pasma, tentando absorver tudo o que estava acontecendo. Cheguei ao
banheiro, fechei a porta, mais uma vez com lágrimas de felicidade no rosto,
pois só pelo fato de Victor ter acordado já era um grande avanço, um avanço a
ser comemorado. Apoiei minhas mãos na pia e me olhei no espelho, foi então que
tudo começou a fazer sentido. O que Julio falou-me a um ano atrás no meio da
rua, o que eu senti no show ao ouvir
coisas sobre Deus, os sonhos. Eram avisos. Era Deus me alertando que só Ele
podia me ajudar, eu fui tão burra e cega, não enxerguei nada disso. Agora eu
sabia que Deus existia. Tinha certeza disso. Eu não o sentia antes, porque não
buscava sentir, é claro! Deus não ia aparecer pra mim do nada, eu precisava
buscar senti-lo, eu precisava ir atrás dele. Como eu pude ser tão cega?
-Meu Deus, obrigado por ter feito isso por
mim e por Victor. Obrigado mesmo, de coração. Agora Senhor eu te peço com toda
a minha fé, que realize o milagre completo na vida de Victor Senhor.
Lavei o rosto, e enxuguei. Saí do banheiro
e voltei ao quarto. Depois de alguns minutos de espera, o médico vem ao quarto
com os olhos arregalados, pasmo, poderia dizer que até um pouco pálido.
-Eu não sei como aconteceu, ou porque
aconteceu. Não tem como, isso é impossível. – A cada palavra do médico, mais
minhas pernas ficavam bambas, mais os olhos de Willian saltavam para fora, e
mais a respiração de Catarina ficava pesada. – Cientificamente e racionalmente
isso não faz sentido. Mas fizemos e refizemos os exames, não tem como estar
errado. O coágulo simplesmente desapareceu.
Momentaneamente todos se entreolharam não
acreditando no que acabavam de ouvir.
-E não para por aí, a recuperação dos ossos
dele era prevista pra daqui a cinco meses, e eles já estão restituídos. Isso é
impossível, como eu disse não sei como e nem porque aconteceu. – Seu estado de
choque não mudava.
-Eu sei. – Lembrei de Anna, com um sorriso
nos lábios.
-Então me diga. – O médico parecia cada vez
mais boquiaberto.
-Porque o Deus que eu creio, é especialista
em causas impossíveis.
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